Você já participou de uma festa ou festival que movimentou toda a cidade?
Durante alguns dias, o lugar respira alegria: turistas chegando, hotéis cheios, restaurantes lotados, moradores envolvidos. Mas, quando as luzes se apagam e o palco é desmontado, fica uma sensação de vazio.
E aí surge a pergunta: como transformar o brilho de um evento em uma narrativa que continua depois?
É aqui que entra o conceito de do evento ao legado. Mais do que um momento, é sobre criar histórias, símbolos e memórias que sustentem o destino turístico durante todo o ano.
O risco da dependência de eventos
Muitos municípios brasileiros, principalmente de pequeno e médio porte, investem pesado em festas anuais:
🎶 Festivais de música
🍲 Encontros gastronômicos
☕ Feiras de café
🍷 Festas do vinho
🏞️ Eventos religiosos
Essas iniciativas são importantes, mas carregam riscos quando se tornam a única estratégia de promoção do destino:
- Sazonalidade extrema: hotéis e restaurantes faturam muito em poucos dias e depois enfrentam meses de baixa ocupação.
- Dependência de verba pública: a cada troca de gestão, o evento corre o risco de ser cancelado ou encolher.
- Desgaste da comunidade: moradores podem se sentir usados apenas como mão de obra, sem enxergar ganhos permanentes.
- Esquecimento rápido: sem narrativa contínua, o destino “desaparece” do radar do turista logo após a festa.
O que é legado em turismo e comunicação?
Quando falamos em legado, não estamos falando apenas de infraestrutura física (praças, estádios, pavilhões).
O verdadeiro legado é comunicação contínua: a capacidade de manter viva a lembrança do evento como parte de uma história maior do destino.
Legado é quando:
- O festival de café vira referência nacional em turismo rural e cafeterias locais.
- A festa do vinho inspira rotas enoturísticas e experiências durante todo o ano.
- A celebração religiosa fortalece o turismo de fé, trazendo peregrinos em diferentes épocas.
Ou seja, o evento é a faísca, mas a chama precisa ser alimentada diariamente.
Eventos como gatilhos, não como fim
Pense no evento como uma grande vitrine. Durante alguns dias, o mundo olha para o destino. A questão é: o que você faz com essa atenção?
Registrar tudo: fotos, vídeos, histórias de bastidores. Esse material pode ser usado em conteúdos durante meses.
Storytelling: mostrar personagens locais (produtores, artesãos, artistas) que ganham projeção no evento.
Conexão digital: criar hashtags, campanhas de engajamento e canais que continuam ativos após o festival.
Um evento não deve ser o fim da jornada de comunicação, mas sim o ponto de partida.
Estratégias para prolongar a narrativa
Aqui estão alguns caminhos práticos para que um evento se torne parte de algo maior:
- Calendário editorial – Estabeleça posts, matérias e vídeos que mantenham viva a memória do evento.
- Rotas temáticas – Crie experiências permanentes inspiradas no festival (rota da cachaça, trilhas da fé, circuito da música).
- Comunidade protagonista – Dê espaço para empreendedores locais se apropriarem do legado e multiplicarem a mensagem.
- Marketing digital – Invista em blogs, guias online e redes sociais para transformar visitantes em seguidores e embaixadores.
- Produtos derivados – Do festival gastronômico podem nascer caixas de degustação, assinaturas e parcerias com restaurantes.
Cases nacionais inspiradores
Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana (MG)
Criado na década de 1960, inicialmente vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais, tornou-se um dos festivais mais importantes do Brasil.
Legado: além de música, o festival inspirou o fortalecimento do turismo cultural em Ouro Preto e Mariana, com atividades durante o ano todo (circuito de museus, roteiros históricos e artísticos).
Festival Gastronômico de Tiradentes (MG)
Começou pequeno em 1998 e hoje atrai milhares de visitantes.
Legado: consolidou Tiradentes como destino gastronômico do Brasil. Restaurantes, pousadas e produtores locais ganharam visibilidade permanente, não apenas durante o festival.
Festa do Café com Biscoito (São Tiago – MG)
Cidade de médio porte que criou um evento para valorizar sua tradição artesanal.
Legado: hoje, os biscoitos e cafés locais são vendidos o ano todo, e São Tiago se tornou “capital nacional do biscoito”.
Festa da Vindima (Bento Gonçalves – RS)
Evento anual que celebra a colheita da uva.
Legado: impulsionou a criação de rotas enoturísticas, vinícolas abertas ao público e experiências que atraem visitantes em qualquer época.
Festa do Peão de Barretos (SP)
Um dos maiores eventos do Brasil, mas com aprendizado para pequenos destinos. Legado: criou uma identidade cultural forte, que se desdobra em rodeios regionais, museu do peão e turismo rural durante o ano inteiro.
Dados que mostram a importância da continuidade
Segundo o MTur – Ministério do Turismo (2023):
- 77% dos turistas que participam de eventos afirmam que voltariam à cidade se houvesse outras atrações estruturadas.
- Cidades que mantêm comunicação contínua após eventos conseguem aumentar em até 30% a taxa de retorno de visitantes.
- Municípios que dependem exclusivamente de festas têm variação de até 80% no faturamento turístico entre alta e baixa temporada.
O papel das marcas locais e parceiros
Um evento não deve ser protagonizado apenas pelo poder público. Quando marcas locais participam ativamente, o legado se fortalece.
Exemplos de parcerias:
- Restaurantes criando menus inspirados no festival e mantendo-os depois.
- Cafeterias oferecendo pacotes com cafés premiados o ano inteiro.
- Hotéis transformando quartos em experiências temáticas ligadas ao evento.
Isso transforma visitantes ocasionais em clientes recorrentes.
Comunicação coletiva
Não existe legado sem coordenação.
É preciso que a governança de turismo – associações, conselhos, prefeitura, empresários e comunidade – atue como guardiã da narrativa.
Boas práticas incluem:
- Criar uma marca territorial que una todos os eventos sob uma mesma identidade.
- Garantir que a comunicação não se perca em anos eleitorais.
- Transformar cada evento em conteúdo para diferentes públicos (turista, morador, investidor).
Oportunidades de monetização
Transformar evento em legado também significa criar novas fontes de receita:
- Produtos digitais: guias online, clubes de assinaturas, marketplace local.
- Roteiros integrados: unir hospedagem, gastronomia e experiências culturais.
- Licenciamento de marca: produtos oficiais do evento vendidos o ano inteiro.
- Educação e formação: cursos, oficinas e capacitações ligados ao tema do festival.
Pontos de atenção e riscos
⚠️ Superficialidade – tratar o evento apenas como festa, sem conexão com identidade local.
⚠️ Exclusividade política – evento muda de nome ou formato a cada gestão, dificultando continuidade.
⚠️ Falta de mensuração – não registrar dados (quantos turistas vieram, quanto gastaram) impossibilita planejar ações futuras.
⚠️ Comunicação desorganizada – cada ator fala de um jeito, sem narrativa unificada.
O futuro: eventos como parte de uma jornada
Eventos continuarão sendo fundamentais. Mas o futuro exige que sejam parte de uma estratégia de jornada do visitante.
Do primeiro contato digital até a experiência presencial, e do pós-evento até a recompra, cada passo deve ser pensado.
👉 A pergunta central é: seu destino está criando apenas uma data no calendário ou está construindo uma história que vive o ano todo?
Transformar eventos em legado é o grande desafio dos destinos turísticos brasileiros.
Isso exige visão estratégica, comunicação contínua e envolvimento da comunidade.
Quando o evento é apenas um fim, ele morre no último dia.
Mas quando é um começo, ele se torna um marco que alimenta pertencimento, turismo e desenvolvimento econômico durante o ano inteiro.
O convite fica para você, leitor: que tal começar hoje a pensar no legado do próximo evento da sua cidade?
Fontes
- Ministério do Turismo (MTur). Estudos sobre Turismo de Eventos no Brasil. 2023. Disponível em: www.gov.br/turismo
- SEBRAE. Eventos como estratégia de desenvolvimento local. Relatórios 2022-2023.
- EMBRATUR. Turismo Cultural e de Experiência no Brasil. 2022.
- Revista Panrotas. Edição Especial Turismo de Eventos. 2023.
- Observatório de Turismo de Minas Gerais. Impactos econômicos dos festivais culturais. 2022.
- Cases de imprensa regional: Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, Festival Gastronômico de Tiradentes, Festa do Café com Biscoito de São Tiago, Festa da Vindima de Bento Gonçalves.