Você já reparou como alguns destinos parecem “respirar” orgulho? É como se cada pessoa, do garçom ao motorista, fosse parte de uma grande campanha viva. Eles não apenas recebem visitantes — eles defendem, recomendam e contam histórias do lugar. Esse é o verdadeiro pertencimento, um ativo invisível, mas decisivo para qualquer destino que queira crescer de forma sustentável.
O desafio é que muitas vezes o turismo é comunicado apenas para fora: banners, anúncios, vídeos que miram o visitante. Mas, se a comunidade local não estiver engajada, todo esforço perde força. Afinal, quem convive com o turista todos os dias é o morador — e se ele não se sentir parte, dificilmente transmitirá orgulho.
É aí que entra a comunicação estratégica: não apenas como ferramenta de marketing, mas como cola social, capaz de alinhar iniciativa pública, privada, associações, sindicatos, ONGs e Governanças Turísticas.
Vamos aprofundar como campanhas podem engajar moradores e transformá-los em embaixadores do destino, com base em dados, cases e lições de mercado.
Pertencimento: o ingrediente invisível do turismo sustentável
Turismo não se sustenta apenas em belas paisagens. O que transforma um local em destino é a forma como a comunidade se relaciona com ele e o compartilha com visitantes.
Pesquisas acadêmicas chamam isso de apego ao lugar (place attachment). É o vínculo emocional e simbólico que os moradores criam com seu território. Sem ele, o turismo corre o risco de ser visto como algo “de fora”, imposto, e não como parte da identidade local.
Um estudo no Vale do Capão (Chapada Diamantina/BA) mostrou que, quando a comunidade percebe benefícios e respeito à cultura, apoia e participa do turismo. Mas quando sente que os turistas ameaçam seu modo de vida, o resultado é conflito.
Pertencimento, portanto, não é detalhe: é condição de legitimidade para que o turismo floresça.
Moradores: os primeiros embaixadores do destino
Já pensou como uma recomendação boca a boca pesa mais que qualquer anúncio? Isso vale ainda mais no turismo. Moradores são a linha de frente da experiência.
Pesquisas internacionais confirmam: em Zhouzhuang (China), moradores que percebiam benefícios diretos do turismo tinham maior tendência a compartilhar recomendações, defender o destino online e interagir positivamente com visitantes.
No Brasil, destinos como Bonito/MS vivem esse fenômeno. Parte do sucesso local está no orgulho ambiental cultivado pela comunidade: moradores foram preparados para serem guardiões da natureza, e isso se reflete na hospitalidade.
Mais que recepcionar turistas, moradores funcionam como um marketing orgânico de longo prazo.
Comunicação interna: falar com quem vive no destino
É comum ver prefeituras e secretarias investirem todo o orçamento em campanhas externas. Mas se o morador não entende o valor do turismo, ou não se sente parte da narrativa, o resultado é vazio.
Uma comunicação voltada para dentro deve:
- Valorizar o local: campanhas mostrando histórias de artesãos, agricultores, artistas e empreendedores.
- Usar storytelling inclusivo: onde a cultura e os personagens locais aparecem como protagonistas.
- Promover eventos de coautoria: festivais onde os moradores não só participam, mas criam.
Um exemplo inspirador vem de Onomichi, no Japão. Pesquisadores identificaram moradores atuando como “embaixadores digitais” no Twitter, compartilhando histórias do dia a dia da cidade. Sem orçamentos milionários, mas com autenticidade, a narrativa local ganhou alcance global.
Campanhas que geram orgulho e pertencimento
Existem iniciativas que provaram como a comunicação pode transformar a relação da comunidade com o turismo:
- Turismo indígena no Canadá: em 2017, gerou 39 mil empregos e CAD 1,7 bilhão em renda. A comunicação não apenas promoveu roteiros, mas deu protagonismo aos povos originários, fortalecendo identidade e pertencimento.
- Gramado/RS: a narrativa coletiva em torno do Natal Luz envolve moradores como personagens do espetáculo. A cidade inteira se transforma em palco, e os habitantes são os primeiros a defender a tradição.
- Medellín (Colômbia): conhecida nos anos 90 pela violência, mudou sua imagem ao engajar moradores em campanhas de orgulho local, conectando turismo com inovação social. Hoje, moradores contam com orgulho como a cidade se reinventou.
Esses casos mostram que comunicação não é só publicidade: é construção de autoestima coletiva.
A força do coletivo: público, privado e sociedade
Turismo é como uma orquestra: não adianta cada músico tocar sua própria melodia. O resultado só é harmônico quando há coordenação.
- Iniciativa pública: cria políticas de incentivo, investe em infraestrutura e garante legitimidade. Exemplo: o MTur e o Sebrae, que apoiam programas de Governança Turística em microdestinos.
- Iniciativa privada: pousadas, bares e restaurantes são pontos de contato diretos com visitantes; quando se alinham à narrativa, reforçam a identidade.
- Associações, sindicatos e ONGs: dão voz aos trabalhadores, organizam setores e garantem diversidade de perspectivas.
- Governança Turística: fóruns que unem poder público e sociedade para alinhar mensagens e campanhas.
Um exemplo é a Reserva Amanã (AM), onde comunidades ribeirinhas passaram a participar ativamente da gestão turística. Outro vem do Quênia, onde comunidades Maasai organizadas em cooperativas de turismo (Conservancies) aumentaram renda e preservaram sua cultura.
Quando todos esses atores atuam juntos, o resultado é coerência. E coerência transmite confiança.
Pontos de atenção: erros que afastam a comunidade
Nem tudo são flores. Existem armadilhas que podem comprometer o pertencimento:
- Comunicação impositiva: quando campanhas são feitas “de cima para baixo”, sem ouvir moradores.
- Excesso de foco no turista: se tudo é pensado para agradar visitantes, a comunidade se sente esquecida.
- Desconexão com a realidade: mostrar apenas a “fachada” turística sem considerar desafios locais gera frustração.
No Vale do Capão, por exemplo, moradores reclamam que a comunicação exalta a natureza, mas ignora problemas de saneamento. Em Kodagu (Índia), os homestays geraram renda, mas sem gestão ambiental adequada, resultaram em impactos negativos.
Esses casos mostram que pertencimento não pode ser marketing vazio: precisa ser real.
Oportunidades para destinos emergentes
Destinos em crescimento têm a chance de “começar certo”. Em vez de corrigir erros no futuro, podem desde já adotar práticas de pertencimento.
Algumas oportunidades claras:
- Campanhas cocriadas: vídeos e peças produzidas com participação de moradores. Estudos mostram que isso aumenta orgulho local.
- Espaços de voz: rádios comunitárias, murais colaborativos ou perfis coletivos em redes sociais.
- Turismo como orgulho cívico: campanhas que reforçam que cuidar do destino é cuidar da casa coletiva.
No Rio Grande do Norte, comunidades quilombolas e indígenas já participam de roteiros turísticos desde o início do planejamento, garantindo protagonismo e autenticidade.
O papel do digital na construção de pertencimento
Hoje, WhatsApp, Instagram e TikTok são mais do que entretenimento: são praças públicas digitais.
- Grupos de WhatsApp comunitários podem ser usados para divulgar eventos e campanhas de valorização local.
- Influenciadores comunitários (aquele morador que posta todo dia sobre a cidade) podem se tornar aliados estratégicos.
- Campanhas participativas em redes sociais (como concursos de fotos ou storytelling local) reforçam a sensação de pertencimento digital.
Um bom exemplo é Brotas/SP, que usa campanhas digitais para destacar não só as cachoeiras, mas também histórias de guias, produtores e moradores.
Benefícios de longo prazo
Construir pertencimento traz resultados que vão muito além da alta temporada:
- Identidade coletiva clara: o destino é reconhecido por uma narrativa comum.
- Hospitalidade espontânea: moradores orgulhosos recebem visitantes com autenticidade.
- Turismo sustentável: pertencimento incentiva cuidado com patrimônio cultural e natural.
- Reputação positiva: turistas saem com memórias autênticas e se tornam promotores do destino.
O caso das Conservancies do Quênia é emblemático: além de renda, comunidades Maasai fortaleceram sua identidade e preservaram territórios, mostrando que pertencimento é a base da prosperidade.
A comunicação como catalisadora do turismo.
No fim, o turismo é sobre pessoas. E a comunicação é a ferramenta que conecta essas pessoas em torno de uma identidade compartilhada.
Quando iniciativa pública, privada, associações, ONGs, sindicatos e Governanças Turísticas se unem para comunicar não só com turistas, mas também com moradores, o destino ganha uma força única.
Mais do que receber visitantes, passa a transmitir uma história viva — contada com orgulho pelos seus primeiros e melhores embaixadores: a própria comunidade.